Nos anos anteriores a 2023 vivemos momentos sombrios e de muitas incertezas, atravessadas por um projeto político de morte. Ainda assim, atuamos incansavelmente em defesa da vida, construímos nossas histórias, protagonizamos a luta em defesa dos nossos direitos, resistimos e encontramos formas de nos organizar a partir das questões do nosso cotidiano. Nós mostramos a força da resistência!
Em 2023, retomamos a política, ajudamos a reconstruir esse Brasil e realizamos a nossa grandiosa 7ª Marcha das Margaridas. Por isso, nosso lema naquele ano foi: PELA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL E PELO BEM VIVER!
As Margaridas falaram em “reconstruir o Brasil” porque, se reconstruir é construir novamente, é refazer, é porque algo havia sido desconstruído. E de fato foi. Quando Bolsonaro assumiu o governo em 2019, declarou que era preciso desconstruir muita coisa — e cumpriu essa promessa: as políticas públicas e os direitos da população, de modo geral, não foram apenas ameaçados, mas deliberadamente atacados ao longo dos quatro anos seguintes.
As mulheres — especialmente as mulheres negras, trabalhadoras, do campo, da floresta e das águas — sentiram profundamente, em seu cotidiano, os efeitos danososda ausência dessas políticas. Isso significou direitos negados, existências desconsideradas e a perda de possibilidades de cuidado, proteção e segurança. Foi por isso que essas mulheres decidiram marchar para RECONSTRUIR tudo aquilo que havia sido destruído, enfrentando condições nada fáceis. Esse foi o tamanho do desafio que se colocou para a Marcha das Margaridas de 2023.
A devastação veloz da natureza e da biodiversidade, somada ao avanço das transnacionais da mineração e do agronegócio, bem como ao sacrifício da soberania nacional e popular — com o país subordinado aos interesses dessas corporações — reforçou a urgência de definir que Brasil as Margaridas queriam reconstruir. E elas deixaram claro: um Brasil do Bem Viver.
Esse foi o horizonte e o sentido da reconstrução do Brasil que as Margaridas afirmaram em sua marcha.
O Bem Viver nasceu da experiência de vida coletiva de alguns povos e nacionalidades indígenas, e expressa suas formas de organização social e do viver coletivo, e as práticas políticas. Ele nos ensina que é possível construir relações de solidariedade e coletividade por meio de valores e princípios comuns.
São distintas as definições de Bem Viver, assim como são distintas as maneiras de vivenciá-lo. Mas de um modo geral é possível dizer que o que há em comum entre essas várias vivências é que elas propõem a integralidade do mundo e uma vivência em harmonia com a natureza, envolvendo o cuidado e a proteção da Mãe Terra, geradora da vida.São distintas as definições de Bem Viver, assim como são distintas as maneiras de vivenciá-lo. Mas de um modo geral é possível dizer que o que há em comum entre essas várias vivências é que elas propõem a integralidade do mundo e uma vivência em harmonia com a natureza, envolvendo o cuidado e a proteção da Mãe Terra, geradora da vida.
O Bem Viver que as Margaridas anunciaram em 2023 se estabelece a partir de relações que respeitam as diferenças e admite maneiras distintas de viver; que cultiva o respeito e valorização de todas as formas de vida. E que aponta para uma economia construída a partir de práticas que levam a cultivar relações de reciprocidade, pautada na solidariedade, responsabilidade e integralidade.
Quando as Margaridas apontaram o Bem Viver como o sentido do Brasil que elas queriam reconstruir, reafirmaram a possibilidade de estabelecer uma relação de não exploração com a natureza; de usufruírem do direito de viver em suas terras e territórios; de mudarem os moldes de produção e consumo e proporem novas formas de produção de alimentos, fortalecendo a soberania e a segurança alimentar e nutricional. Também reafirmaram a importância de participarem plenamente da política e dos espaços de decisão; de limitarem a concentração de riqueza, avançando rumo a uma convivência sem desigualdades, sem pobreza, sem fome, sem racismo e sem violência, em que as mulheres do campo, da floresta e das águas tivessem autonomia sobre seus corpos-territórios. E, por fim, defenderam e cultivaram relações em que o cuidado e os afetos fossem resguardados por todas e todos.